Luta e intervenção<br>de olhos no futuro

Jorge Cordeiro (Membro do Secretariado e da Comissão Política do CC)

No de­bate pre­pa­ra­tório do XX Con­gresso, com a na­tural atenção que a ava­li­ação da si­tu­ação do País sempre me­rece, a abor­dagem e re­flexão sobre o ac­tual mo­mento e a nova fase da vida po­lí­tica na­ci­onal tem sus­ci­tado, entre ou­tras ques­tões, par­ti­cular in­te­resse.

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Com­pre­ende-se que assim seja. Desde logo pelo que a questão, em si, des­perta de com­pre­en­sí­veis in­ter­ro­ga­ções e de per­cepção do que ela sig­ni­fica na mul­ti­pli­ci­dade de as­pectos con­tra­di­tó­rios que a acom­panha. Mas também porque sobre ela tem in­ci­dido um vasto con­junto de lei­turas e in­ter­pre­ta­ções que al­guns têm lan­çado a seu pro­pó­sito: uns, bus­cando nela o que nela não podem ver res­pon­dido; ou­tros, atri­buindo-lhe um sig­ni­fi­cado e al­cance que nela não estão pre­sentes; ou­tros, ainda, apre­sen­tando-a como aquilo que não é, ou de­se­ja­riam que fosse.

Jus­ti­fica-se, pois, adi­antar ele­mentos que con­tri­buam para a sua abor­dagem. A pri­meira questão que exige é não dis­so­ciar a nova fase da vida po­lí­tica do quadro po­lí­tico e ins­ti­tu­ci­onal saído das elei­ções le­gis­la­tivas de 4 de Ou­tubro de 2015. Não só pelo que os re­sul­tados nu­me­ri­ca­mente re­flec­tiram, mas também, e so­bre­tudo, pelo que re­pre­sen­taram na sequência do pe­ríodo que a an­te­cedeu, seja a na­tu­reza e in­ten­si­dade dos pro­jectos li­qui­da­ci­o­nistas que o pacto de agressão subs­crito pelo PS, PSD e CDS com o FMI, UE e BCE e apli­cado pelo go­verno PSD/​CDS cor­po­ri­zava, seja a luta que, em con­di­ções di­fí­ceis e exi­gentes, o en­frentou.

A der­rota elei­toral de PSD/​CDS é in­se­pa­rável da pro­gres­siva erosão so­cial e po­lí­tica im­posta pela luta. Mais do que a ex­pressão de con­de­nação elei­toral e von­tade de in­ter­rupção da sua acção e afas­ta­mento do poder, os re­sul­tados cons­ti­tuíram também, e so­bre­tudo, uma ex­pressão de exi­gência e mu­dança de po­lí­tica.

Dar sen­tido à luta

Foi a essa von­tade de mu­dança que o PCP res­pondeu com a sua ini­ci­a­tiva e in­ter­venção: as­si­na­lando o sig­ni­fi­cado dos re­sul­tados elei­to­rais, dando sen­tido e con­teúdo à luta, obri­gando o PS à cla­ri­fi­cação do seu po­si­ci­o­na­mento face à si­tu­ação.

Des­per­diçar a opor­tu­ni­dade de não tra­duzir no plano po­lí­tico o que, em boa ver­dade, a luta havia con­tri­buído para al­cançar, era negar o seu pró­prio valor, des­me­recer da sua im­por­tância, ig­norar os pró­prios ob­jec­tivos que ti­nham sido ins­critos no sen­tido da de­missão do go­verno.

Como se su­bli­nhou, o PS só não for­mava go­verno e en­trava em fun­ções se não qui­sesse. As con­di­ções em que o faria de­cor­re­riam das suas op­ções e po­lí­tica. A con­si­de­ração que con­duziu à Po­sição Con­junta, aliás não jul­gada in­dis­pen­sável pelo PCP, e o po­si­ci­o­na­mento do Par­tido face ao Go­verno, re­sul­taram da si­mul­tânea ava­li­ação do grau de con­ver­gência al­can­çada e do grau de com­pro­misso que lhe cor­res­pondia.

Uma ava­li­ação que se re­velou, como se previa, li­mi­tada e que traduz a so­lução po­lí­tica ac­tual – não na for­mação de um go­verno de es­querda, mas sim na for­mação e en­trada em fun­ções de um go­verno mi­no­ri­tário do PS com o seu pró­prio pro­grama; não na exis­tência de uma mai­oria de es­querda na As­sem­bleia da Re­pú­blica, mas sim na exis­tência de uma re­lação de forças em que PSD e CDS-PP estão em mi­noria, e em que, ao mesmo tempo, os grupos par­la­men­tares do PCP e do PEV con­di­ci­onam de­ci­sões e são de­ter­mi­nantes e in­dis­pen­sá­veis à re­po­sição e con­quista de di­reitos e ren­di­mentos; não numa si­tu­ação em que o PCP seja força de su­porte ao Go­verno por via de um qual­quer acordo de in­ci­dência par­la­mentar, mas sim uma si­tu­ação em que tendo con­tri­buído para que o Go­verno ini­ci­asse fun­ções e de­sen­volva a sua acção, o PCP mantém total li­ber­dade e in­de­pen­dência po­lí­ticas, ori­en­tando a sua aná­lise e de­ci­sões a todo o mo­mento em função do que serve os in­te­resses dos tra­ba­lha­dores, do povo e do País.

A po­sição con­junta não é um ob­jec­tivo em si. Vale pela fi­xação de uma de­ter­mi­nada cor­re­lação de forças e não só pelo seu con­teúdo e al­cance, li­mi­tados e longe de po­derem res­ponder às exi­gência que o de­sen­vol­vi­mento so­be­rano do País re­clama. O que ela ex­pressa e o que está al­can­çado não re­sulta de qual­quer acto de con­trição do PS ou re­po­si­ci­o­na­mento em op­ções pro­gra­má­ticas es­tru­tu­rantes nem é dá­diva do ac­tual Go­verno mas sim ex­pressão da luta dos tra­ba­lha­dores e da in­ter­venção do PCP. Não o as­sumir, ou re­cusar va­lo­rizá-lo, é atri­buir a ter­ceiros o que por in­teiro é in­ter­venção dos tra­ba­lha­dores e do Par­tido.

Cui­dada ava­li­ação

A ac­tual si­tu­ação po­lí­tica tem sus­ci­tado dois tipos de po­si­ci­o­na­mento an­ta­gó­nicos e igual­mente er­rados – um que, ex­tra­va­sando o seu sig­ni­fi­cado, su­bor­dina o ne­ces­sário ao pos­sível, sa­cri­fi­cando a pers­pec­tiva de luta por ob­jec­tivos ge­rais na mera sa­tis­fação do ime­diato, vendo na­quilo que é con­jun­tural um fim em si; um outro que, em nome dos ob­jec­tivos ge­rais e ul­te­ri­ores, me­nos­preza as pos­si­bi­li­dades de al­cançar res­postas ainda que par­ciais e li­mi­tadas, que nega ou des­va­lo­riza pro­gressos e con­quistas em nome da mera pro­cla­mação do ob­jec­tivo final.

Opor a luta por me­lho­rias e con­quistas par­ciais à luta pela trans­for­mação so­cial é, mesmo que não pa­reça, a mais re­cuada das ati­tudes que im­pede as pri­meiras e di­fi­culta o ca­minho para a se­gunda.

A ava­li­ação da si­tu­ação e dos de­sen­vol­vi­mentos exige que se tenha pre­sente as ine­gá­veis con­tra­di­ções que en­cerra. Como em tudo, e mais nas ac­tuais cir­cuns­tân­cias, a re­dução a vi­sões ma­ni­queístas de branco ou preto, con­trá­rias aos mé­todos de aná­lise mar­xista-le­ni­nista, deve ser afas­tada.

A com­ple­xi­dade da si­tu­ação, os ele­mentos do «novo» que in­cor­pora, as di­nâ­micas con­tra­di­tó­rias que apre­senta, exigem, mais do que pre­ci­pi­tadas ila­ções, uma cui­dada ava­li­ação. Não na pers­pec­tiva es­tá­tica com que se apre­sentam em cada mo­mento, mas pre­vendo pos­sí­veis de­sen­vol­vi­mentos, não ig­no­rando o papel de fac­tores sub­jec­tivos que sobre eles in­cidam, in­ter­vindo para in­flu­en­ciar e agir sobre eles. Re­du­ções a um sim ou a um não a res­posta a ques­tões desta com­ple­xi­dade sos­se­garão cons­ci­ên­cias mas não darão a res­posta que o Par­tido tem o dever de estar à al­tura de dar.

Exa­mine-se o ob­jec­tivo de afastar PSD e CDS do go­verno. Como o en­tender? Na sua di­mensão de valor ab­so­luto ou re­la­tivo? Manter afas­tados PSD e CDS as­sume um valor re­la­tivo en­quanto ob­jec­tivo geral, mas um valor ab­so­luto na cir­cuns­tância em que isso foi si­nó­nimo de in­ter­romper uma ofen­siva com os traços e in­ten­si­dade que se co­nhecia. Ou seja aquilo que se as­sume, numa dada con­jun­tura, como con­dição (in­ter­rupção da acção do go­verno an­te­rior) não pode ser visto como o ob­jec­tivo (rup­tura com a po­lí­tica de di­reita). Com uma ob­ser­vação in­dis­pen­sável: a questão cru­cial que está co­lo­cada não é a do ame­dron­ta­mento com a chan­tagem do pe­rigo do re­gresso do PSD e do CDS mas sim o de ga­rantir que a po­lí­tica de di­reita não seja de­sen­vol­vida, seja pela mão da­queles par­tidos ou do PS.

Ex­pec­ta­tivas e li­mi­ta­ções

É evi­dente a con­tra­dição, pre­sente desde início, entre o nível de ex­pec­ta­tivas ge­radas e as li­mi­ta­ções ób­vias da ac­tual so­lução po­lí­tica. Ava­liar o que dela pode re­sultar a partir do que ela não é nem pode al­cançar, a partir de um go­verno mi­no­ri­tário do PS, só pode con­duzir a des­va­lo­rizar o que é al­can­çado pela luta dos tra­ba­lha­dores e a acção do PCP.

A ac­tual si­tu­ação é em si prova de ne­gação da tese dos que tomam como ine­vi­tável o ca­minho da li­qui­dação de di­reitos e de in­ten­si­fi­cação da ex­plo­ração. Sem pre­juízo de, em si­mul­tâneo e em con­trário, a si­tu­ação e seus de­sen­vol­vi­mentos se en­car­re­garem de re­velar as li­mi­ta­ções que ela en­cerra.

De­mons­trar o que se impõe como ne­ces­sário sem des­per­diçar o que se pode con­quistar, é mos­trar que há outro ca­minho que deve ser cons­truído, o da po­lí­tica pa­trió­tica e de es­querda in­dis­pen­sável para o País, iden­ti­fi­cando as ra­zões que o di­fi­cultam, de­mons­trando na ex­pe­ri­ência prá­tica vi­vida as con­di­ções para o fazer – rom­pendo com a po­lí­tica de di­reita, de­sen­vol­vendo a luta de massas, dando mais força ao PCP e afir­mando a po­lí­tica al­ter­na­tiva – é se­gu­ra­mente uma ati­tude po­lí­tica mais avan­çada, ou­saria o termo mais re­vo­lu­ci­o­nária, para a in­dis­pen­sável ele­vação da cons­ci­ência po­lí­tica das massas do que o re­fúgio numa po­sição de re­cusar qual­quer in­ter­venção por ob­jec­tivos ime­di­atos em nome de não es­tarem cri­adas as con­di­ções para al­cançar ob­jec­tivos mais ge­rais.

Os que não vêem a luta por ob­jec­tivos ime­di­atos como uma con­dição ne­ces­sária à acu­mu­lação de forças e de con­di­ções para ob­jec­tivos mais avan­çados, re­du­zirão a questão a uma acu­sação de eta­pismos. Re­cuse-se lei­turas re­du­toras que, a serem aceites, con­du­zirão ao aten­tismo em nome da es­pera por con­jun­turas de­se­jadas. Se assim se fi­zesse, a pró­pria luta pela rup­tura com a po­lí­tica de di­reita será des­me­re­cida porque não é o ob­jec­tivo de luta final dos co­mu­nistas. O que sig­ni­fi­caria iludir que a con­cre­ti­zação dessa rup­tura é con­dição e parte da luta com vista a impor uma po­lí­tica pa­trió­tica e de es­querda, cons­truir uma de­mo­cracia avan­çada en­quanto parte in­te­grante da luta pelo so­ci­a­lismo.

A in­su­fi­ci­ência da ac­tual so­lução po­lí­tica é cre­dora de todas as crí­ticas que, a partir de um po­si­ci­o­na­mento co­e­rente, têm fun­da­mento pelo que ela não re­pre­senta de rup­tura com os in­te­resses do ca­pital mo­no­po­lista e de sub­missão ex­terna. Mas o que a torna in­to­le­rável, para al­guns, é o seu sig­ni­fi­cado de ir em sen­tido di­verso ao que de­se­ja­riam poder pros­se­guir. O que a torna in­to­le­rável é estar a tra­duzir-se em avanços na re­po­sição e con­quista de di­reitos. O que a torna in­to­le­rável é o papel de­sem­pe­nhado pelo PCP.

Con­fi­ança na luta

O PCP não ali­menta ilu­sões quanto aos li­mites da nova fase da vida po­lí­tica na­ci­onal. Mas não a des­per­diça nem pres­cinde de a in­te­grar na luta pelos ob­jec­tivos mais ge­rais por que luta. Vê-a como factor de avanço para, pelo in­dis­pen­sável re­forço do Par­tido, ins­crever na cons­ci­ência dos tra­ba­lha­dores e na sua acção a luta por uma po­lí­tica pa­trió­tica e de es­querda que de­sa­marre o País das op­ções da po­lí­tica de di­reita e dê, como só ela pode dar, res­posta às as­pi­ra­ções e in­te­resses do povo e aos pro­blemas na­ci­o­nais.

Como no pas­sado, a luta con­ti­nuará a ser um factor maior na evo­lução da si­tu­ação do País. Uma luta que a evo­lução re­cente da vida po­lí­tica na­ci­onal se re­velou em toda a sua di­mensão e valor. Uma luta que des­mentiu os que não viam na re­sis­tência a cada ataque uma par­cela de cons­trução de fu­turo. Não há luta pela luta. Há a luta que em cada mo­mento deve ser tra­vada contra o que tem de ser contra. E também a luta para forçar avanços e con­quistas. Todas elas con­fluindo e so­mando para a luta pela trans­for­mação so­cial. A nova fase da vida po­lí­tica na­ci­onal, com o que tra­duziu de der­rota do go­verno PSD/​CDS, é em si um factor de con­fi­ança nas pos­si­bi­li­dades da luta, de ânimo para a pros­se­guir e ir mais longe.

Não faltam as pres­sões sobre o PCP, a ale­gada in­co­e­rência com po­si­ções do pas­sado, o aban­dono do seu pro­jecto, a ce­dência à con­jun­tura, a sen­ten­ci­ação de in­ven­tados des­vios ide­o­ló­gicos.

O PCP, como a sua his­tória tes­te­munha, não se de­ter­mi­nará por juízos ex­ternos, nem se ren­derá a pres­sões. O Par­tido sa­berá con­duzir e de­cidir com in­teira in­de­pen­dência, fiel ao seu com­pro­misso com os tra­ba­lha­dores e o povo, com con­fi­ança em si pró­prio e na sua ex­pe­ri­ência. Não se­pa­rando ta­refas ime­di­atas dos ob­jec­tivos por que luta e de que não pres­cinde. Ba­seada na sua acção para am­pliar a base de apoio a uma po­lí­tica al­ter­na­tiva, con­tri­buindo para a al­te­ração da cor­re­lação de forças e para o re­forço da in­fluência do PCP, no ca­minho da al­ter­na­tiva po­lí­tica, pa­trió­tica e de es­querda, da de­mo­cracia avan­çada, de uma so­ci­e­dade livre da ex­plo­ração, a so­ci­e­dade so­ci­a­lista.

 



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